Leia o Primeiro Capítulo da Primeira Parte dO Espelho do Monge!

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Capítulo 1

Safia e Artur chegam ao local quando o sol da tarde
já prepara sua partida, o céu azul–avermelhado prende o
olhar maravilhado dos viajantes.
Ela mal pode conter suas emoções. Aquela aula
de seu Curso de Especialização em Arqueologia a tinha
lançado num desafio particular. Pediram-lhe uma pesquisa
sobre um lugar onde pudesse haver possibilidade de busca
arqueológica, mas ela se deparou com uma história tão
interessante que havia lhe consumido todo tempo disponível.
Como não havia tempo para mais nada, resolveu apresentar
o que havia encontrado, mesmo sabendo que poderia ser
alvo de chacota. E foi: “Isso é lenda! Estamos falando de
ciência!”. Sua pesquisa acabou não sendo levada em conta
e teve que refazê-la. O que não a abalou tanto, pois no
fundo, já esperava por isso. Guardou tudo e prometeu a si
mesma que, após terminar o curso, iria procurar o tal lugar
e desvendar aquela história que, desde então, começou a
incomodá-la.
Foi o que aconteceu. Contrariado, seu pai, o prefeito
da cidade, viu a filha partir com um guia em busca do tal
lugar. Lugar distante daquela cidadezinha, pouco habitado,
sem recursos. Isso o preocupava. Mais ainda! O fato de a
filha ter colocado aquilo na cabeça era loucura pra ele! –
“Ela bem poderia ter seguido carreira política!”, pensava.
No entanto, decidiu bancar a tal viagem para que aquilo
ficasse resolvido de uma vez por todas e ela voltasse a
se interessar por coisas realmente importantes! Era sua
esperança!
– Não acredito! – exclama ansiosa a arqueóloga
recém–formada, olhando aquele belo lugar! Mato baixo e
verdinho, mais parecia um tapete! Ao longe se avistam as
montanhas que completam a beleza da paisagem. A brisa
sopra como um carinho que, apesar do calor, refresca a pele.
– É, chegamos! É aqui, sem dúvida! Parece mais um
jardim...! O monge foi sepultado perto daquelas pedras. –
aponta o guia, entusiasmado, até olhar para baixo e ver algo
que fecha seu sorriso. Ele retira sua mochila das costas e a
deixa cair lentamente, aproximando-se para ler o que está
gravado numa placa de pedra no chão.
Safia está muito ansiosa para prestar atenção naquilo.
Quer ir logo até o túmulo e averiguar se toda sua espera
tinha valido a pena. Imagina a cara do pai e sente um frio no
estômago! E se tudo aquilo fosse mesmo verdade?! Ainda
por cima, poderia ganhar muito dinheiro e ficaria famosa
com tal descoberta!
Enquanto os pensamentos povoam a mente agitada da
moça, Artur, o guia, sentado perto da placa, anota algumas
coisas em seu caderninho, compara as letras, tenta traduzir
palavras... Está compenetrado naquilo. Parecem dois
mundos diferentes num mesmo lugar! Ou seriam mesmo?
– Então, vamos! O que está esperando?! – Safia grita
ansiosa, não entendendo o que ele faz ali parado.
– Calma, Safia! Isso não é um parque de diversões!
Olhe só isso aqui. Confesso que não acreditei muito que você
pudesse encontrar algo... mas depois que vi isso, mudei de
opinião! – diz tudo isso sem tirar os olhos de suas anotações.
Safia olha pra baixo e avista a placa de pedra.
– Espera aí... – o coração da moça dispara – Diz a
lenda que... A chave para abrir o lugar estaria esculpida
numa rocha e que só poderia usá-la quem fosse do sexo
masculino, virgem e estivesse sem pecados no momento,
como o monge que a usou para fechá–lo!
– É isso aí! – Artur solta o caderno no chão e olha
para as montanhas, pensativo.
Safia vira-se para ele e faz cara de desconfiança...
“Artur?! Ah, não... Não tem cara...” O moço percebe seu
olhar e já vai logo se levantando.
– Não, com certeza não sou eu! – diz, com um leve
sorrisinho nervoso.
– Claro... Nem pensei nisso! – disfarça, ela.
Os dois se entreolham. Silêncio.
– E agora?! Só estamos nós dois aqui! Quer dizer
que teremos que... Ah não...!!! Meu pai vai me matar!
Como eu não pensei nisso?! Ele não vai mais pagar minha
vinda pra cá! – solta nervosamente a moça.
– Talvez, se... – pondera, ele – você tirasse uma
foto da placa e mostrasse a ele! Provaria que não se trata
exatamente de uma lenda. Pode ser uma história um
pouco... fantasiosa, mas o fato é que tudo isso existe e
bate com as descrições!
Os olhos de Safia se enchem de brilho!
– É claro! Tem toda razão! Com essa foto posso
tentar convencê–lo de me deixar... trazer meu irmão? Ele
só tem treze anos. Esse, tenho certeza de que é virgem!
É... sim, tenho certeza! Será que ele deixaria? – já tirando
a câmera fotográfica da mochila.
– Tem mais uma coisinha... – coça a cabeça – Seu
irmãozinho não pode ter pecado até chegar aqui e ler as
inscrições... em latim! Ele sabe latim? Ah... e quem vai
financiar nosso retorno e ainda com mais um viajante?
Seu pai não parece muito disposto a isso...
Safia tira a foto e guarda a câmera. Fica pensativa e
um pouco desanimada com o comentário dele.
– Você me anima e depois me joga um balde de
água fria! Não temos mais um tostão. Poderíamos trazer
o padre aqui, para confessá-lo antes de ler... Mas isso quer
dizer: complicou! São mais duas passagens, se eu conseguir
convencer o padre e meus pais! Ah! E se conseguir o dinheiro
pra todas as outras despesas!
– Bom, já está ficando tarde e logo escurece. É melhor
voltarmos para a estrada onde deixamos o carro. Pensaremos
em algo no caminho.
– Não! – exclama decidida – E se tudo isso for mesmo
uma história fantasiosa, como você disse? Não podemos ir
embora sem antes ter certeza disso!
– Tá. E o que você pretende? – já percebendo a
intenção da moça, coloca o caderno de volta na mochila e
se prepara para sair dali – Não, não vou participar disso! Se
você quiser, vá em frente! Você sabe das consequências!
– Calma, Artur! Se for uma história fantasiosa, não
tem nada... consequência alguma! – tenta convencê-lo.
– E se não for? E se tudo isso for mesmo verdade? –
pausa – Como você acreditou esse tempo todo!
– Acreditei que pudesse ser... Mas nunca tive certeza
de nada! Se entrarmos, veremos logo!
– Acho que isso tudo já é o suficiente, Safia. Eu
não vou entrar aí. Sabemos do que se trata. Não estamos
protegidos pela nossa inocência. E outra! Você vai entrar pra
roubar o espelho! Saquear o túmulo!
– Não é um roubo, é uma descoberta... científica!! –
tenta ela, novamente.
– Descoberta, sim! – ironicamente – Seja o que for. Eu
não entro. – decidido.
– Sabe, você é um frouxo! – grita nervosamente –
Duvidou até agora e chega na hora de provar, vira as costas?
Você não disse que iria pagar pra ver? Ou melhor, receber,
né?! Já que sou eu que estou pagando! Quer saber? Se quiser
ficar aí com medinho, eu entro! Eu mesma serei a prova que
eu preciso! – Safia retira a mochila das costas e os sapatos,
respirando fundo em preparação para os passos ousados que
pretende dar.
Artur fica parado, observando a moça. É bem bonita!
Seus olhos já chamam bem a atenção de tão azuis; seus cabelos
longos, tão pretos e brilhantes parecem mais um tecido nobre.
Temendo que aconteça algo a ela, começa a recitar seu sermão,
numa tentativa de fazê-la desistir.
– Ninguém consegue dar mais do que seis passos em
direção ao túmulo. Passam mal. Falta de ar. Não conseguem
respirar. São obrigados a voltar. Ninguém nunca conseguiu
chegar. Não te contei uma coisa! Você não foi a única pessoa
que conheci que se interessou por isso. Há um tempo atrás,
conheci um homem que tentou; na verdade, foi ele quem me
deu as dicas desse lugar. Tudo bem que não acreditei muito
nele, mas... acho que estou mudando de ideia. Ele me dizia
que “a desobediência cansa, porque você luta com as próprias
forças!” e assim foi me contando como pegou a maldição. Ele
ignorou a placa e entrou, como, aliás, você está prestes a fazer!
A cada passo, se sentia mais cansado; no sexto passo estava
se sentindo exausto e com falta de ar, como se tivesse corrido
numa maratona. Teve que voltar. À medida que voltava, ia
recobrando as forças até sair do lugar. Desistiu da busca, mas
levou a maldição! Uma doença respiratória crônica... Se esse
espelho existe mesmo, está muito bem protegido. As inscrições
na pedra vão além das palavras em latim, há simbologias que
preciso pesquisar. É muito mais que um objeto valioso. É um
objeto sagrado! Você mesmo me disse que não se brinca com
o que é sagrado sem sofrer as consequências disso! – depois de
um breve silêncio, continua – O que aconteceu? Perdeu a fé?
De que provas ainda precisa?
– Preciso descobrir porque isso me incomoda tanto!
– respira fundo e pula a placa de pedra. Dando o primeiro
passo, volta-se para ele – Não perdi a fé!
– Loucura... – sussurra ele, inconformado.
Safia dá mais três passos. Não sente nada e continua!
– Estou bem! Como você está aí na arquibancada,
cavalheiro? Por que não tira uma foto?! – brinca ela,
tentando se descontrair – Quatro passos e estou respirando
normalmente!... Cinco passos... – seu coração começa a
disparar e seu corpo todo começa a estremecer. Sente um
cansaço fora do normal, mas não quer parar, acha que pode
ser ansiedade e se força a continuar, já não olha mais para
trás – seis... – desmaia.
Artur sente seu coração sair pela boca! E agora?! Corre
para acudi–la e entra no lugar? Espera que se recupere? E se
ela estiver... Num impulso, joga a mochila no chão e corre
até a placa, tira os sapatos e se ajoelha, fechando os olhos
nervosamente numa rápida oração.
– Deus, me perdoa! Não sou digno de entrar. Não
pretendo ir ao túmulo, mas salvar essa moça, tirá-la daqui.
Dai-me forças para trazê-la de volta e prometo não trazer
mais ninguém a esse lugar! – se levanta, respira fundo e
corre ao encontro dela. Pegando-a no colo a retira de lá, sem
um só sinal de cansaço.

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